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W001m Watts, Mitologia Ocidental Dissolução e Transformação
ALAN W. WATTS. Mitologia Ocidental: Dissolução e Transformação. In: CAMPBELL, JOSEPH (org.). Mitos, sonhos e religião: nas artes, na filosofia e na vida contemporânea. Tradução de Angela Lobo de Andrade e Bali Lobo de Andrade. Rio de Janeiro: Ediouro, 2001. ISBN 85-00-00081-3.
1 (...) o mais básico modelo, ou imagem, em vigor na civilização ocidental tem sido a idéia do universo à semelhança de uma monarquia política (...)
2 Assim, até muito recentemente, ninguém podia se opor em sã consciência a lutar numa guerra, a não ser que declarasse solenemente acreditar que recebia ordens de um Ser Supremo e portanto de um escalão de comando superior ao do Presidente dos Estados Unidos.
3 A base do senso comum por trás de grande parte das leis e instituições sociais dos Estados Unidos é uma teoria do universo fundamentada nas antigas monarquias despóticas do Oriente Próximo.
4 (...) que o mundo físico é um artefato. É algo feito, construído. Ademais, implica a idéia de que é uma criação em cerâmica.
5 A argila é passiva. A argila é homogeneizada. Não tem uma estrutura especial. É uma espécie de grude. Para assumir uma forma inteligível precisa ser trabalhada por uma força e uma inteligência externas. Assim, temos a dicotomia da matéria e da forma (...). A matéria é uma espécie de coisa básica que só toma forma com a intervenção da energia espiritual. Esta tem sido uma questão básica para todo o nosso pensamento — o problema da relação entre matéria e mente.
6 Esta tem sido uma questão fundamental para o pensamento ocidental, porque fizemos uma distinção entre a matéria bruta não-inteligente e o espírito ativo inteligente.
7 Muito da filosofia da arte no Ocidente imagina o trabalho do artista como uma imposição da vontade sobre um material intratável. (...) porque a natureza física, material e, portanto, diabólica da coisa com que trabalham resiste sempre à visão que o espírito quer representar.
8 (...) pensamos o mundo material como uma espécie de amálgama de argila, de matéria formada. Chegamos à estranha depravação de pensar que as árvores são feitas de madeira. Ou que as montanhas são feitas de pedra, da mesma maneira que este tablado é feito de madeira pelo carpinteiro (...).
9 Toda a questão da ciência ocidental para entender a natureza do mundo físico foi originalmente a tentativa de descobrir qual é a matéria básica e, além dela, qual é o plano, o projeto, na mente do fabricante.
10 A essa altura os físicos ocidentais já abandonaram a questão “O que é a matéria?”, porque sabem que só podemos descrever os processos físicos em termos de estrutura, em termos de forma, em termos de padrão.
11 (...) o que acontece no mundo, o que somos, é apenas padrão. Imagine, por exemplo, uma corda em que o primeiro metro é feito de cânhamo, o segundo de seda, o terceiro de algodão e o quarto de náilon. Você dá um nó nessa corda, um nó corrediço simples, e o movimenta pela corda. O material do nó vai mudando, mas o nó permanece o mesmo. Da mesma maneira, cada um de nós é reconhecível como indivíduo em virtude de ser um padrão consistente de comportamento. (...) e qualquer coisa que pudesse ser considerada como componente do nosso corpo está sempre de passagem. (...) o indivíduo médio ainda não se recuperou da superstição de que, por baixo dos padrões, dentro dos padrões, existe algum tipo de coisa.
12 (...) o que realmente existe é o padrão. Esse mundo é energia dançante.
13 (...) a imagem de Deus como o rei político, o pai legítimo, (...) tornou-se uma imagem descabida e teve de ser abandonada (...).
14 (...) o mundo feito por Deus, era basicamente um artefato, um constructo, um mecanismo e, portanto, governado pela lei. (...) Toda a busca de conhecimento no mundo ocidental foi para determinar as leis, (...). Se pudéssemos entender a palavra de Deus, poderíamos predizer o futuro.
15 A morte é conseqüência da intratabilidade e da estupidez inerentes à matéria. No fim, o espírito não pode dominar a matéria, e todas as coisas de barro que criamos se quebram porque o peso e a amorfia da matéria prevalecerão. Mas indo além, acalentamos a esperança de que no fim o espírito será mais forte e capaz de miracular a matéria, tornando-a imortal. A idéia de ressurreição do corpo (...). Esse é o empreendimento tecnológico do Ocidente. (...) Toda a tecnologia, sobretudo na medicina, que hoje transplanta corações, tenta tornar a matéria subserviente à vontade, ao espírito, e torná-la imortal. Mas é realmente isso o que queremos?
16 as pessoas pensantes, tomando emprestada a frase de William James, encaram os fatos, e o fato é que o universo não liga a mínima para seres humanos e de nenhuma outra espécie. É um processo mecânico completamente irracional, cujos princípios serão explicados por analogia com o jogo de bilhar. Certamente, foi o modelo pelo qual Newton pensou o mundo. Alinhado com Newton, Freud pensou o mundo físico em termos hidráulicos — a psicohidráulica é a base do pensamento de Freud — com a idéia do inconsciente como um rio contido por uma represa que deve ser controlada porque o rio não tem cabeça. É também chamada de libido, que poderia significar “luxúria cega”. Da mesma forma, Ernest Haeckel pensou a energia do mundo como uma energia cega. Tudo é mecânico, e o nosso segundo grande modelo do mundo, a que chamo modelo completamente automático, veio a reboque do modelo judaico-cristão. Era um artefato, conseqüentemente uma máquina, mas tanto o artífice quanto o controlador, o Deus pessoal, desapareceram e para nós só sobrou o mecanismo.
17 (...) De fato, a crença em que somos um golpe de sorte numa rotação mecânica é hoje a mais difundida.
18 Há muito poucas pessoas religiosas no mundo ocidental, porque a maioria delas não acredita realmente no cristianismo, ainda que sejam Testemunhas de Jeová. Mas acreditam que devem acreditar e se sentem muito culpadas quando não acreditam.
19 para citar o poeta Housman: Eu, estrangeiro e infeliz / Num mundo que não fiz.
20 A verdade é que você não vem ao mundo. Você sai do mundo, da mesma maneira que uma folha sai da árvore e um bebê sai do ventre. Você é sintomático desse mundo.
21 Não se encontra um organismo inteligente num ambiente não-inteligente, da mesma maneira que não se colhem maçãs de uma amendoeira.
22 a transformação da mitologia ocidental exige ainda outro passo. Temos vivido com a imagem política do universo dominado por um legislador essencialmente violento. Aliás, toda a organização das igrejas, com toda a sua doutrina, é violenta, militar. (...) A pregação só faz hipócritas. As pessoas imitam a virtude porque temem a ira de Deus ou, com maior sofisticação, temem ser pessoas falsas, não-autênticas, que é a nova versão de ir para o inferno.
23 Mais adequada a ciência do século XX seria uma imagem orgânica do mundo, o mundo como um corpo, um amplo padrão de energia inteligente que tem um novo relacionamento conosco. Não estamos no mundo como súditos de um rei, nem vítimas de um processo cego. Não estamos no mundo de modo algum. Somos o mundo! O mundo é você. Nesse mito orgânico do mundo, cada indivíduo deve ver a si próprio como responsável pelo mundo.
24 O que remete a história do Jardim do Éden, quando o Senhor Deus perguntou a Adão: ‘Acaso comeste do fruto da árvore que eu tinha ordenado que não comesses?”, e Adão disse: “A mulher que me deste por companheira deu-me do fruto da árvore e comi.” E quando o Senhor perguntou a Eva: “Por que fizeste isso?”, ela disse: ‘A serpente me enganou...”, e o Senhor Deus olhou para a serpente e a serpente não disse nada. Ela simplesmente não culpou o outro. Ela sabia a resposta porque o Senhor Deus e a serpente haviam combinado nos bastidores, muito antes que isso acontecesse, que iriam representar essa cena, pois a serpente é a mão esquerda de Deus e “não deixe que a sua mão direita saiba o que a esquerda está fazendo”.
25 Como um homem muito sábio disse certa vez: “Gnosis, a perfeita sabedoria e iluminação, é se surpreender com todas as coisas.”
ENCYCLOPAEDIA V. 51-0 (11/04/2016, 10h24m.), com 2567 verbetes e 2173 imagens.
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